O morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela igneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
(Augusto dos Anjos, O morcego pág 214)
Ficamos, às vezes, despertos--pensando nos erros que pendem sobre nossa cabeça e nos torturam. Não queremos lidar com a culpa, os sentimentos que queimam a mente. Levantamos parede, bloqueamos tal sentimento, tentamos expelir o morcego que bate ao redor da nossa cama e rasga a mente.
Não dá. Pegamos de um pau e lançamo-lo no morcego. Talvez consigamos acabar por matá-lo. Mas enfim, apesar dos esforços, não se consegue se afastar da Consciência Humana. Esse morcego entra no quarto, circunda nossa cama e nos acorda toda noite.
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